Carta de Repúdio ao Teatro Arthur Azevedo, à Secretaria de Estado de Cultura e Turismo do Maranhão e ao Governador Flávio Dino – responsáveis pela montagem do musical João do Vale “o gênio improvável”


O sentimento dessa carta é de absoluto espanto frente à postura dos dirigentes públicos na condução das ações que deveriam fortalecer e democratizar a cultura maranhense, especialmente no que concerne à produção do referido espetáculo.

Essa carta se faz necessária diante da negação de respostas e do banimento daqueles que se atrevem a questionar, por meio das redes sociais oficiais do evento, a pretensa arrecadação do musical. Tal desprezo não nos calará e não aceitaremos censura! Bem como não nos dobraremos ao rancor das instituições. Já faz tempo que as migalhas oferecidas só dão conta de alimentar a nossa revolta.

No início do ano corrente, o Teatro Artur Azevedo – casa de cultura estadual apontada no site da SECTUR –promoveu uma seleção pública para o elenco do musical João do Vale. Diversos artistas locais participaram das audições e elogiaram a condução do processo. A estreia do espetáculo marcaria a reabertura do teatro (fechado desde dezembro de 2016). Produção a todo vapor e amplamente divulgada, datas finalmente anun iadas, comunidade ansiosa pela obra que festejaria o “poeta do povo”.Só esqueceram de avisar para quem seria o tão primoroso evento. Ou melhor dizendo, a quem serviria. Sim, porque ao povo maranhense é que não é. O ingresso, que custa sessenta reais na plateia, certamente não virá no ticket refeição do trabalhador que vive com uma das piores qualidades de vida do país.

Financiado pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura, o projeto contou com recursos de parte do ICMS da Companhia Energética do Maranhão (CEMAR). Vejamos o que dispõe a SECTUR sobre elegibilidade do dito incentivo à cultura: “Pode entrar com projeto qualquer pessoa jurídica, com pelo menos um ano de existência. A concessão do CMC destina-se a os projetos que visem à democratização do acesso, divulgação e preservação da memória cultural, bem como ao desenvolvimento de atividades artísticas e as obras em espaços que abriguem atividades artísticas e destinadas a cultura.”

A primeira resposta que exigimos é: Onde está a democratização de acesso num evento que cobra ingressos tão caros? Sim, o Teatro Artur Azevedo, realizador do espetáculo, é pessoa jurídica do tipo Associação privada, inscrito no CNPJ sob o número 08.629.606/0001-00. Decorre que a referida Associação, como mencionamos anteriormente, é declarada casa de cultura estadual e, como tal, tem toda a sua folha de pagamento subsidiada pela Secretaria de Cultura e Turismo (o que pode ser conferido no portal da transparência http://www.transparencia.ma.gov.br). Portanto, é uma instituição pública estadual recebendo incentivos provenientes de sua própria lei. Sabemos que as margens interpretativas tendem a tapear os desavisados e que imoralidades ganham ares de lisura quando bem amparadas juridicamente.

No entanto, vejamos a regulamentação da lei no que tange a quem pode ser proponente:
DECRETO Nº 27.731, DE 18 DE OUTUBRO DE 2011 Regulamenta a Lei 9.437, de 15 de agosto de 2011, que dispõe sobre a concessão de incentivo fiscal para contribuinte do ICMS que financiar projeto cultural, e dá outras providências. Art. 5º Para efeitos do disposto neste Decreto, considera-se:
II - proponente, a pessoa jurídica, devidamente estabelecida e registrada no Estado do Maranhão, excetuando-se os municípios do Estado ou suas fundações, empresas e autarquias, que propõe projeto cultural e capta os recursos do financiador para sua efetivação; Como podemos verificar no artigo acima, a própria a lei restringe ao Estado fazer uso da lei de incentivo para evitar distorções e prevaricações (uso de má fé) com o recurso público.

Infelizmente o acesso à informação sobre a aplicação dos recursos da Lei é tão precário quanto seus objetivos. Não foi possível verificar os detalhes do projeto aqui discutido, seu proponente ou os valores captados. O que no frigir da ética não muda nada. O proponente poderia ser a associação do Itaqui-Bacanga, mas o evento é do Teatro; para sua reabertura pública e gozo das autoridades, imprensa e de quem mais puder pagar.

Tomemos alguns exemplos do disparate. Seria como o governo criando o programa do leite e abastecendo suas secretarias com o líquido. Ou conseguindo peixe a preço de custo para população carente e ficando com metade da mercadoria para as refeições no palácio. Ou criando uma lei que financia projetos culturais com renúncia fiscal para depois financiar os eventos públicos que deveriam ser custeados com orçamento próprio, como o São João, Carnaval, reabertura do maior teatro do Estado...e ainda cobrando por isso. Poderíamos ficar aqui em analogias eternas que ilustram perfeitamente o abuso da coisa, mas preferimos dedicar mais algumas linhas na evidenciação do quão imoral e desleal é um governo ficar com a maior fatia de um incentivo que, em tese, deveria alavancar a cultura nos eixos carentes desse direito. Ademais, a vantagem que um equipamento público tem na chancela e captação do benefício é evidente. Um produtor independente enfrenta dificuldades de pessoal e estrutura que o coloca atrás na aprovação e pleito de recursos para projetos.

Façamos uma conta rápida, já que nossa indignação não prejudica nosso raciocínio. O projeto do musical foi contemplado, através da Lei nº 9.437, para patrocínio pela CEMAR no dia 09/05/2017. Não consta informe de patrocínio parcial na divulgação dos resultados, o que nos faz supor que a Companhia custeou integralmente a montagem proponente. Dessa forma, toda previsão de desembolso do projeto estaria assegurada. Além disso, o Musical contou com o copatrocínio de uma joalheria local e o apoio de mais oito empresas privadas, o que representa ganho de recursos e serviços ou, no mínimo, economia sobre o previsto. Neste embrolho de suposições, podemos então crer na liquidez do projeto.

Dito isso, cabe aqui a segunda questão: Por que um espetáculo que já foi - ou deveria ter sido - totalmente custeado com recursos obtidos por meio de lei de incentivo está cobrando ingressos?
Uma explicação plausível seria o lucro, o que viria a ser aceitável, não fosse a condição do Teatro, dispositivo público que não pode ter fins lucrativos. Sabe-se que o Teatro amargou um atraso na entrega da reforma que prescindiria sua reabertura e que, consequentemente, sofreu impacto no custo de produção do Musical. Neste caso, a máquina pública é quem deveria arcar com o excedente acumulado em virtude da sua ineficiência de planejamento, uma vez que cabe a ela antecipar cenários de atraso e garantir a execução dos projetos.São fatores alheios ao patrocinador e ao público e que, por lógica, não podem recair sobre eles. Que o espetáculo fosse apresentado em outro local, que fosse na praça! Repassar o prejuízo – ou provisão de caixa – para o público é uma atitude que beira o descaramento. O povo não vai pagar, porque o povo já pagou por esse espetáculo quando comprou o pão do dia ou quando quitou a conta de luz do mês. É obrigação do Governo do Estado do Maranhão manter e financiar projetos em suas casas de cultura. É para isso, também, que a pasta da Cultura tem – ou deveria ter – orçamento.

A contrapartida social oferecida pelo projeto é irrisória e redundante. As apresentações gratuitas que serão oferecidas aos alunos do NAE (Núcleo Arte-Educação) já estão previstas pelas ações de formação de plateia do próprio NAE, cuja realização é de responsabilidade das Secretarias de Estado da Cultura e Secretaria da Educação. Resumindo, é oferecido um retorno social que já seria cobrado pelo escopo de um outro projeto em vigor. Saída astuciosa e maliciosa.

O Projeto de Lei nº 114/2017, do atual governo, solicitado para tramitação urgente, prevê que o poder Executivo poderá aplicar até 100% dos recursos do Fundo Estadual de Cultura do Maranhão (FUNDECMA) em projetos formulados pelo poder público. Ou seja, desobriga a injeção direta de capital nos difusores independentes de cultura. Então, se a lei de incentivo à cultura permite o uso de parte do ICMS a ser arrecadado no financiamento de projetos do governo – incluindo-se aí seus braços diretivos - e o FUNDECMA pode ser usado integralmente nesses mesmos projetos, sobra o quê para quem não tem o Estado como mantenedor? Migalhas em formato de editais de ocupação e participação em eventos. Sobram a Semana de Teatro e a de Dança sucateadas e inexpressivas. Sobra um cala boca enunciado de cortesia para a classe artística. Ou nem isso.

O mais irônico é saber que o canto interpretado do poeta do povo vai ser ouvido pela mesma elite que o impediu de entrar na escola.

“Hoje todo são "doutô", eu continuo joão ninguém/ 
Mas quem nasce pra pataca, nunca pode ser vintém/
Ver meus amigos "doutô", basta pra me sentir bem/
Ver meus amigos "doutô", basta pra me sentir bem.”
(trecho da música Minha História – João do Vale)

Não, não basta. E nós vamos gritar bem alto! Não queremos cortesias, exigimos o direito do povo de estar na primeira fila! Seremos barrados e ao nosso lado estará João do Vale, cantando baião na calçada para conseguir pagar a entrada.

Assinam este documento: 

Cia MiraMundo 
Cia do redentor 
Nicolle Machado
Michelle Cabral 
Jurandir Eduardo
Ricardo Torres
Diana Mattos
Renato Guterres
Andressa Passos 
Jairiane Muniz 
Luciano Ferrgar 
Marcelo Augusto 
Thielly Aguiar
Lucas Parreão Costa
Nelson Pinheiro Rosa
Rafaelly Barros Almeida
Carlos Montier Barbosa de Carvalho
Samuel Evangelista Silva Rocha
Wandeth Cunha
Daniel Fernandes Ribeiro
Edson Mendonça 
Pryscilla Carvalho 
Narlize Costa Fonseca
Yuri Alencar da Rocha
João Victor Serrão Fernandes
Silvana Pinto Mendes
Amália Raquel Ribeiro de Sousa
Wharles Klay  Neves de Lemos
Helenisa da Silva Fontenelle
Abimaelson Santos
Fernanda Areias
Alana Araujo
Nigel Lima
Tieta Macau e 
Ana Souza.


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